ONG Todas Para o Mar reforça combate ao racismo promovendo a crianças e jovens negros o reconhecimento de suas potencialidades sociais e esportivas
Um mal presente em todas os estratos da sociedade, o racismo não poupa os desportistas negros e negras, profissionais ou não, em todo o mundo. O Brasil, expoente de talentos negros nos esportes, também vive essa realidade e demanda o combate enérgico de todos contra esse crime, que busca invisibilizar as conquistas de atletas negros.
Somente no futebol, a prática esportiva mais popular no país, pelo menos 41% dos jogadores negros que atuam nos principais campeonatos brasileiros já sofreram racismo, embora sejam protagonistas nos resultados alcançados, segundo Levantamento sobre a Diversidade no Futebol Brasileiro, publicado pela Fisia Comércio de Produtos Esportivos, detentora dos direitos de comercialização da Nike no Brasil.
Mas não é apenas dentro das quatro linhas do campo que esse crime ocorre. Mulher negra, mãe e ativista, Nuala Costa sempre precisou combater o racismo em sua vida. Vítima de diversos preconceitos, a cor da sua pele parecia ser mais um empecilho àqueles que insistiam em desacreditá-la.
“Eu cresci convivendo com injustiças e limitações que queriam impor a mim pelo fato de ser negra e isso inclui também a minha vida esportiva. Não foi fácil já por ser uma mulher surfista e o fato de ser negra colocava uma ‘grande lupa’ sobre mim e minhas atitudes, como se a cor da minha pele fosse um limitador para as atividades que eu queria exercer. Tomando consciência de quem eu era e o que eu representava, me fortaleci no esporte e hoje consigo, inclusive, levar esse empoderamento para outros jovens e crianças e vieram da mesma realidade periférica que eu e não irão desistir de seus sonhos”, conta ela.
Nuala começou sua carreira no surfe aos 16 anos, por meio de um projeto social. Apesar do talento, se deparou com a invisibilidade e a falta de patrocínios como consequência do racismo estrutural. Mesmo sem apoio, participou de campeonatos e conquistou boas colocações, como o Campeonato Brasileiro de Surf amador, Super Trials e o Circuito Nordestino de Surf.
Os desafios enfrentados por ela e as consequentes conquistas, pela sua perseverança, reverberaram na criação da ONG Todas Para o Mar (TPM), projeto que surgiu com o objetivo de dar visibilidade ao surfe feminino, mas que ampliou seu leque de atuação buscando dar oportunidades a muitas crianças e jovens negros, além de suas famílias na prática do esporte em Maracaípe, praia no litoral sul de Pernambuco.
“Com a construção do coletivo TPM, as mulheres negras e periféricas e em sua maioria chefes de família conseguem ter um espaço para desenvolvimento esportivo e educacional dos seus pequenos, além de acompanhamento socioeconômico para elas mesmas. Penso que consigo dar a oportunidade muitas vezes negada em função do racismo enraizado em toda a sociedade”, reforça Nuala.
ONG incentiva presença de negros no esporte através do surfe
Atualmente no projeto são atendidas cerca de 120 mulheres e 80 crianças e adolescentes na faixa entre 7 aos 17 anos, majoritariamente, negros. O trabalho impacta, indiretamente, 250 famílias da localidade, promovendo a autoestima dessas pessoas e garantindo-lhes a consciência necessária para enfrentar o racismo e perseverar na busca de seus objetivos. A ativista tem chamado a atenção para a importância de combater o racismo, a LGBTfobia e o sexismo ainda na juventude, trazendo consciência e aceitação para os mais novos.
Para entender a necessidade de cada família, são realizadas visitas em domicílio para entender a rotina e necessidades de cada jovem. As atividades propostas pela TPM envolvem aulas de surfe, oficinas para confecção de pranchas, e a participação em campeonatos. Além disso, a ONG disponibiliza aulas de letramento racial, alfabetização, de espanhol, capoeira, maracatu, afoxé, arteterapia, teatro, dança e sessões de cinema.
“Formamos esses jovens desde cedo, para eles entenderem que não dependem de si para conquistarem o mundo, mesmo diante de entraves como o racismo sendo impostos. Priorizamos muito as aulas de letramento racial, para que se reconheçam e reconheçam nos outros a prática do racismo, seja no ambiente esportivo e, principalmente, na vida”, completa Nuala.